Vergilio Correia e o Megalitismo Alentejano (2)



















“El Neolítico de Pavia”

Em 1921, Vergílio Correia publicou, em Espanha, uma monografia sobre os trabalhos de campo que desenvolveu na área de Pavia entre 1914 e 1918. Nela aborda os aspectos relativos ao megalitismo funerário e aos sítios de habitat com ele relacionados; inclui também alguma informação sobre realidades arqueológicas mal conhecidas que o autor considera como eventuais lugares sagrados. Assim, a sua investigação nesta área pretendia englobar todos os tipos de vestígios arqueológicos deste período como refere na seguinte passagem:

" (.../...) Surgió, pues, naturalmente la división del estudio del Neolítico de la región de Pavia en tres partes muy claras y muy sencillas: lugares de habitación, lugares de sepultura y lugares de religión." (Correia, 1921: 10)

Os locais "de culto" correspondem, nesta perspectiva, aos recintos formados por blocos graníticos e os abrigos naturais ou ainda rochas, cuja erosão provocou formas mais ou menos sugestivas. Completamente ignorados por ele ficaram os menires e "cromeleques" relativamente bem representados nesta área e que só mais tarde viriam a ser identificados.

No capítulo do povoamento, Vergílio Correia refere as escavações efectuadas no Castelo de Pavia e os respectivos materiais arqueológicos, descrevendo-os sumariamente. Não apresenta contudo nenhuma planta do sítio com as muralhas e as cabanas identificadas. Em relação à estratigrafia refere que a acção dos arados destruiu a sua leitura. No entanto, ao descrever os fundos de cabana diz que todos os artefactos apareciam no fundo de uma camada negra “como depositados o caídos en el suelo” (Correia, 1921: 13), por vezes encaixados uns nos outros e, os artefactos de sílex reunidos, como se tivessem possuído um contentor perecível, o que coloca em causa a sua afirmação sobre a inexistência de estratigrafias preservadas...

Note-se que esta escavação decorreu em paralelo com a das antas e foi feita por pessoas contratadas na aldeia.

Sobre os materiais arqueológicos apresenta uma lista dos principais tipos, por vezes com descrições mais pormenorizadas sobre a matéria prima ou dimensões e alguns desenhos ou fotografias. Estes materiais são os da última campanha (1918) uma vez que eram os únicos que se encontravam em seu poder. Talvez por esse motivo não apresenta quantificações precisas sobre eles.

A descrição dos trabalhos realizados nos monumentos megalíticos funerários foi feita em função da ribeira de Têra; reúne, de facto, em dois grupos, aqueles que se encontram a Norte e a Sul desta ribeira. Mais uma vez Vergílio Correia descreve sobretudo as antas escavadas em 1918. É de salientar que em toda a obra nunca alude directamente aos motivos pelos quais só descreve os trabalhos da última campanha, justificando, de uma forma vaga, que era para “no alargar demasiado este trabajo “(Correia, 1921: 26). Os seus problemas com Leite de Vasconcelos, que o levaram a deixar o cargo de conservador do Museu Etnológico e, ao primeiro, a negar-lhe o acesso aos cadernos de campo e aos materiais das campanhas anteriores, depositados neste museu, nunca são referidos.

Em relação aos monumentos apresenta, por vezes, uma breve descrição da sua implantação, arquitectura, e espólio; frequentemente limita-se a indicar o nome e a comentar, laconicamente, que “não deu nada”, “pouco importante” ou ainda “um espólio vulgar” (Correia, 1921:40).

Apresenta alguns desenhos e fotografias dos materiais e das antas, em que são patentes alguns equívocos e imprecisões; de facto, a fotografia que aparece como sendo a anta 2 de Briços é, na realidade, referente à anta 4 da mesma herdade (Correia, 1921: 40, fig.24). Também as plantas das antas apresentam diferenças em relação às publicadas pelos Leisner, tratando-se, de facto, de plantas esquemáticas com poucas preocupações de rigor métrico.

Em relação à metodologia utilizada por este autor, nas escavações, observa-se, antes de mais, um ritmo quase frenético, patente na seguinte descrição:

“Em 26 explorou-se a segunda anta da Lapeira e principiou-se de tarde a dos Covatos. Em 27, deixada a anterior, atacou-se a do Ferragial da Fonte...” (Correia, 1914: 190-191).

Com uma tal velocidade, não é de estranhar o facto de raramente serem apresentadas quaisquer indicações sobre as estratigrafias. A este respeito, Irisalva Moita não deixou de anotar que a obra publicada " (.../...) fundamenta-se em escavações apressadas e plantas construídas sem precisão."(Moita, 1956: 136).

O casal Leisner, ao publicar em 1959 os materiais de Pavia existentes no Museu Etnológico e apresentar o levantamento de novos monumentos, pretendia contribuir para o colmatar das lacunas deixadas por Vergílio Correia. Estes autores acentuam algumas das fragilidades do trabalho, relacionadas com a proibição do acesso de V. Correia ao material das suas escavações, o que permitiria compreender que as indicações sobre os achados tenham sido, salvo raras excepções, sumárias e não demonstradas graficamente. (Leisner, 1959: 97)

Ainda no capítulo referente à descrição do megalitismo funerário alude, por vezes, a outros sítios onde procedeu a sondagens (é o caso do castelo de Briços) ou que, de qualquer modo, considerou interessantes.

A numeração que estabelece reporta-se aos monumentos escavados, aos destruídos, aos que não encontrou (teve conhecimento através de informação oral) e abrigos rochosos (mesmo sem materiais). Assim, quando nas conclusões refere que examinou mais de setenta monumentos este número não corresponde, com certeza, à realidade.(Correia, 1921: 65).

Este capítulo é completado por uma síntese sobre os tipos de implantação, dispersão, arquitectura, espólios e cronologias para estes monumentos, estabelecendo comparações com outras áreas.

No terceiro capítulo descreve os lugares «sagrados»: recintos, abrigos e arte rupestre (a pedra das Gamelas e a da Talisca, ambas no concelho de Arraiolos).

Apresenta ainda um apêndice com o estudo, realizado por A.A. Mendes Correia, de ossos humanos encontrados na anta 7 da Caeira.

Em relação ao mapa, apresentado em anexo nesta obra, verifica-se que engloba uma área, para Este e Sul, superior à considerada no texto, tendo sido cartografados alguns monumentos megalíticos funerários sobre os quais não fornece qualquer tipo de informação. Por outro lado, dentro do território estudado por Vergílio Correia, verificam-se algumas incorrecções: cartografa monumentos sobre os quais só tinha conhecimento através de informação oral (anta dos Condes, da Cré, da Gonçala); nos Antões, apresenta cartograficamente cinco monumentos mas só se refere a três no texto; utiliza ainda critérios diferentes na simbologia gráfica do mapa. De facto, enquanto para algumas sepulturas utiliza um rectângulo (Casarão das Figueiras e Remendo) para outras utiliza o mesmo símbolo que o das antas (Entreáguas, Antões e S.Miguel).

Em termos cartográficos, nota-se alguma imprecisão na localização dos sítios, em parte relacionada com a escala utilizada.

Correia, V. (1921) - El Neolitico de Pavia. Madrid: Comisión de Investigaciones Paleontológicas y Prehistóricas. 27.
Rocha, L. (1999) - Povoamento Megalítico de Pavia. Contributo para o conhecimento da Pré-história Regional. Setúbal: Câmara Municipal de Mora.
Moita, I. (1956) – Subsídios para o Estudo do Eneolítico do Alto Alentejo. Arqueólogo Português. Lisboa: [s.n.]. III s., p. 135-175.

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